Alguém a falar-lhe aos ouvidos
Coisas que não são suas
Ou, que, poderiam ser suas?
Dias ensolarados
Quando tu querias chuva
...há dias em que queremos chuva
Chuva pra molhar
Chuva pra prender
Em casa
No carro
Na sacada
Na boca
Na sua boca
Boca de olhos que vêem
Apenas o que quer ver.
Esse blog é uma tentativa de não usar Prozac. Escrever é uma doença incurável. Mas, com certeza, uma das mais belas doenças.
Pensações
domingo, 30 de março de 2008
sábado, 29 de março de 2008
Perder o ar
Por toda minha grosseria, minha antipatia, minha velharia
Por toda minha nostalgia, minha infantaria, minha hipocrisia
Por todo meu desinteresse e o que quer que seja, onde quer que esteja, minha demagogia.
Perdoar é doar
Perder o ar
Doer e se dar
Conceder até esclarecer
Democratizar sentimentos
Tirar o aperto
Sentimentos são bravos, são onça
Nascem mais espinhos que rosas
Crescem e arranham
Eles são álcool, são ácido e pólvora
Veneno plácido
Depende da cobra
Por toda minha nostalgia, minha infantaria, minha hipocrisia
Por todo meu desinteresse e o que quer que seja, onde quer que esteja, minha demagogia.
Perdoar é doar
Perder o ar
Doer e se dar
Conceder até esclarecer
Democratizar sentimentos
Tirar o aperto
Sentimentos são bravos, são onça
Nascem mais espinhos que rosas
Crescem e arranham
Eles são álcool, são ácido e pólvora
Veneno plácido
Depende da cobra
terça-feira, 25 de março de 2008
A vocês, detentores do certo
A todos os engravatados, religiosos, uniformizados, fichados, enquadrados, retificados, cartesianos e ortodoxos. A todas as saias compridas, aos sutiãs apertados, às ceroulas e anáguas, às enrustidas e às virgens.
Desejo que vocês morram à míngua da falta de liberdade.
Desejo que vocês comam todo dia a mesma comida.
Desejo que o mundo seja quadrado para vocês e que seja suas a obrigação de limpar os cantos.
Desejo que não andem na montanha russa e que só corram se o tênis tiver doze molas.
Desejo que o jornal de vocês venha com as mesmas notícias, todos os dias do ano.
Desejo que vocês nunca pintem a casa de outra cor.
Desejo que vocês não beijem de língua e nem encontrem outro lugar mais inusitado para beijar.
Desejo que vocês tenham LER de tanto ficar com as mãos postas a rezar pelos pecadores do mundo (que claro, não são vocês).
Desejo que vocês não se emocionem com um quadro de Dali e nem com os xales da Frida.
Desejo que haja calos em seus pés apertados pelos sapatos.
Desejo que vocês tenham poucos amigos e quase nenhuma história pra contar.
Desejo que vocês nunca derramem uma lágrima por amor, nem por saudade.
Desejo que seus corações não estremeçam com uma música de Vinícius.
Mas desejo que vocês saibam: o mundo só é um lugar mais belo e mais leve por causa dos loucos que arrancam orelhas, dos bichas que escrevem músicas, dos bêbados que elaboram acordes, dos idiotas que criam roteiros de comédias, dos amantes que deixam a janela aberta, das putas que mostram a bunda nas BRs, dos que não estão nem aí para as contas e nem para as convenções.
Caso contrário, nossas roupas sempre seriam beges e nossa vida caberia numa breve equação matemática: linear, provável, ensaiada.
Desejo que vocês morram à míngua da falta de liberdade.
Desejo que vocês comam todo dia a mesma comida.
Desejo que o mundo seja quadrado para vocês e que seja suas a obrigação de limpar os cantos.
Desejo que não andem na montanha russa e que só corram se o tênis tiver doze molas.
Desejo que o jornal de vocês venha com as mesmas notícias, todos os dias do ano.
Desejo que vocês nunca pintem a casa de outra cor.
Desejo que vocês não beijem de língua e nem encontrem outro lugar mais inusitado para beijar.
Desejo que vocês tenham LER de tanto ficar com as mãos postas a rezar pelos pecadores do mundo (que claro, não são vocês).
Desejo que vocês não se emocionem com um quadro de Dali e nem com os xales da Frida.
Desejo que haja calos em seus pés apertados pelos sapatos.
Desejo que vocês tenham poucos amigos e quase nenhuma história pra contar.
Desejo que vocês nunca derramem uma lágrima por amor, nem por saudade.
Desejo que seus corações não estremeçam com uma música de Vinícius.
Mas desejo que vocês saibam: o mundo só é um lugar mais belo e mais leve por causa dos loucos que arrancam orelhas, dos bichas que escrevem músicas, dos bêbados que elaboram acordes, dos idiotas que criam roteiros de comédias, dos amantes que deixam a janela aberta, das putas que mostram a bunda nas BRs, dos que não estão nem aí para as contas e nem para as convenções.
Caso contrário, nossas roupas sempre seriam beges e nossa vida caberia numa breve equação matemática: linear, provável, ensaiada.
quinta-feira, 20 de março de 2008
Quando a gente é pequena
Infância
Infâmia sem preço
Conta pendurada
Brincadeiras de adulto
Mentiras de criança
Boneca, joelhos e cotovelos
Mostrando o que esconde
Esconde que nada
Carrinhos, pé sujo e arranhados
Gente que é grande
Espaço pequeno
Zerinho ou um
Tem alguém que manda
Ao dar carta branca
Café com leite
Se sim ou não
Adoleta
A conta é nossa
Infâmia sem preço
Conta pendurada
Brincadeiras de adulto
Mentiras de criança
Boneca, joelhos e cotovelos
Mostrando o que esconde
Esconde que nada
Carrinhos, pé sujo e arranhados
Gente que é grande
Espaço pequeno
Zerinho ou um
Tem alguém que manda
Ao dar carta branca
Café com leite
Se sim ou não
Adoleta
A conta é nossa
sexta-feira, 7 de março de 2008
Socorro! Quem são as mulheres de hoje?
Ontem, quase véspera do dia oito de março, aconcheguei-me entre meus travesseiros com um pensamento em mente: o que irei escrever sobre o ‘Dia Internacional da Mulher’?
Realmente, eu não sabia sobre o que falar. A famosa emancipação feminina, o papel da mulher na sociedade contemporânea, a igualdade de sexos, a pílula anticoncepcional... são tantos assuntos, mas todos tão desgastados e dessecados, tanto pela mídia quanto pelos prodigiosos admiradores do sexo feminino...sim, eu estava sem assunto. Não queria falar sobre o óbvio. Então, pedi às “instâncias superiores”, de onde jugo receber os temas de meus textos, um assunto. É, esse era meu pedido para o dia da mulher. Eu queria um assunto.
Quando em meu horário de almoço, corrido como o da maioria dos cidadãos que trabalham duro e com honestidade, sem almoçar, vou direto ao banco fazer uns depósitos urgentes. Na falta de lugar para estacionar no movimentado centro da cidade, tenho a péssima idéia de parar meu carro no estacionamento do Fórum da Comarca de Ipatinga, onde haviam inúmeras vagas. Não sei o que me deu. Não costumo nem furar sinal vermelho de madrugada, sempre acho que o cidadão de bem tem que dar exemplo, ser exemplo. Mas, enfim. Cometi um erro. Achei que o depósito era rapidinho, minha folha de ponto não iria esperar por um atraso.
Ao retornar do banco, deparei-me com um Uno cinza com adesivos que diziam: ‘A serviço do Fórum’ travando a minha saída do estacionamento. Logo pensei: eu mereci...quem desobedece a lei, paga. Fui em direção ao guarda que estava na sombra de uma robusta árvore junto a um senhor que, me parecia, coordenava o estacionamento.
- O Gol preto é meu.
Disse certa de que seria penalizada. Então, o guarda respondeu com muita educação e cordialidade: “Terei que notifica-la. Esse estacionamento é só para funcionários do Fórum.”
– Perfeitamente. Estou errada. Pode fazer a notificação.
No meu ponto de vista, de uma pessoa comum e sem a suficiente ciência do Direito, entendi que o preço pelo erro que cometi seria pago junto à multa que receberia. Assim, pedi aos funcionários do Fórum que ali estavam devido ao congestionamento do estacionamento que pedissem ao usuário do carro a serviço do poder judiciário que o tirasse, pois impedia a minha passagem.
Iam meninos, vinha o guarda, ia o senhor responsável pelo estacionamento, vinha mais uma porção de funcionários (todos homens) e nada era resolvido. Mas todos me trataram com extrema educação e até alguma ternura. “Socorro, a responsável pela administração do Fórum, não iria entregar a chave do carro para retirá-lo”, diziam todos. “A senhorita terá que aguarda-la terminar uma reunião com o Juiz”, repetiam todos.
Fui até a sala da Administração. A moça, que parecia ser sua secretária, até tentou mais de uma vez conseguir a chave com a senhora responsável, a meu pedido, mas não teve sucesso e nem me deu maiores explicações.
E eu aguardando. Mais de uma hora já havia se passado. Uma outra pessoa também estacionara o carro na mesma situação que eu. Para melhorar o congestionamento, o senhor que respondia pelo local pediu a uma outra funcionária que reposicionasse seu veículo. Eu, debaixo da árvore robusta, apenas a vi gritando com o senhor com muita grosseria e falta de educação: “Pois fique sabendo, se acontecer na minha vaga você deixa a pessoa aqui até eu ir embora!”.
Foi quando o guarda veio de dentro do prédio que abriga a justiça e disse-me. “A Socorro já chegou. Vá lá e peça a ela que retire o carro”. Assim o fiz.
Agora começa a nossa história, Socorro.
Aproximei-me da senhora e percebi sua postura diante da minha presença. Olhando-me por cima, estava a mulher que parecia ter seus cinqüenta anos. Olhos claros, cabelos loiros, voz firme.
Então disse a ela o quanto eu estava errada. Que a notificação já havia sido feita e que me desculpasse o transtorno, mas eu estava em horário de trabalho e precisava ir. Foi quando, pela primeira vez em meus vinte e sete anos, vi, materializado em minha frente, o que era o termo “fazer justiça com as próprias mãos”.
“Pode esperar. Não vou tirar o carro agora. É bom para você ter um tempo para pensar sobre o erro que cometeu”, disse-me em tom áspero. Quando reafirmei que já estava atrasada no trabalho e que não poderia esperar. Ela manteve-se firme.
Sai de sua sala indignada. Uma funcionária do Fórum da Comarca de Ipatinga, mesmo que não juíza, não advogada e nem promotora, carrega em sua vida o dever de dar exemplo. O dever de saber que todos podem errar e têm o direito irrevogável de pagar pelos seus erros nos termos da lei.
A mesma lei que reza sobre a minha conduta, a do morador do barraco no ponto mais alto da favela e a da administradora do Fórum. A lei que não permite que cidadão algum seja julgado por qualquer pessoa que não seja um magistrado. Um juiz que se preparou anos a fio para a tarefa tão difícil de qualificar e estabelecer diretrizes às vidas das pessoas. Juizes dão sentença. Ainda assim, após analisar e estudar a vida, o erro e os acertos do indivíduo. Pessoas comuns não estabelecem “castigos”. Hoje, nem as professoras do primário colocam mais os alunos com o nariz no quadro negro para “pensarem sobre seus erros”.
Gostaria de falar aqui que exemplos assim, como a Socorro, instalada numa das salas de ambiente forense, fazem o país no qual vivemos. Cada um critique sob seu ponto de vista. Não vou enveredar, aqui, por esses caminhos.
Socorro não me fez esperar. Olhei-a no olho. Disse a ela que ela não poderia prender a mim e a meu carro ali, pois sabia dos meus direitos (e quem não sabe? E quem não tem instrução? Iria ficar ali ao bel prazer da punição de Socorro?). Logo que deixei sua sala ela mandou um de seus funcionários retirar o carro que me impedia seguir meu caminho.
Esse é um exemplo do que, na verdade, quero falar aqui hoje. Mulheres de hoje. Mulheres independentes. Mulheres como a Socorro.
Todos os homens trataram-me com educação. Todas as mulheres da história que conto foram deselegantes, ríspidas e grosseiras com seus interlocutores. O que está acontecendo com nós? A mulher é a detentora da doçura, do carisma, da intuição. A mulher tem em seus genes, naturalmente, o lado meigo, o colo quente que abriga, a mão protetora que afaga. A mulher tem, através dos hormônios que correm em seu corpo, a divina sabedoria da leveza e da ternura, o poder de trazer harmonia, a virtude de organizar com amor. Não que os homens não tenham essas qualidades e não devam buscá-las. Mas homens são seres cheios de testosterona, são feitos de músculo, de força.
Tudo bem. Já queimamos os sutiãs em praça pública. Já radicalizamos o suficiente. Já conseguimos alcançar autonomia. Penso que agora é hora de revermos o que toda essa conquista tem feito com nós...e de nós. É incoerente falarmos que a mulher é igual ao homem. Não, não é. Somos diferentes fisicamente, emocionalmente. Dedicamos parte da nossa vida a gerarmos e cuidarmos de um, dois – seja lá quantos forem – filhos. Amamentá-los. Temos menopausa e, antes disso, nossos hormônios são tão constantes como a lua e suas fases.
Não estou propondo respostas para a nossa situação atual. Não as tenho. Nem sou retrógrada a ponto de imaginar vivermos novamente como nossas avós. O que me preocupa, no fundo da alma, é onde vamos parar com mulheres tão ausentes, tão estressadas, tão abarrotadas de trabalho e responsabilidades sociais. Será que estamos dando conta? Acho que não. Estivéssemos, ainda teríamos a ternura no olhar ou, sem pedir muito, respeito pelo outro que é, uma das inúmeras formas de manifestar amor.
Realmente, eu não sabia sobre o que falar. A famosa emancipação feminina, o papel da mulher na sociedade contemporânea, a igualdade de sexos, a pílula anticoncepcional... são tantos assuntos, mas todos tão desgastados e dessecados, tanto pela mídia quanto pelos prodigiosos admiradores do sexo feminino...sim, eu estava sem assunto. Não queria falar sobre o óbvio. Então, pedi às “instâncias superiores”, de onde jugo receber os temas de meus textos, um assunto. É, esse era meu pedido para o dia da mulher. Eu queria um assunto.
Quando em meu horário de almoço, corrido como o da maioria dos cidadãos que trabalham duro e com honestidade, sem almoçar, vou direto ao banco fazer uns depósitos urgentes. Na falta de lugar para estacionar no movimentado centro da cidade, tenho a péssima idéia de parar meu carro no estacionamento do Fórum da Comarca de Ipatinga, onde haviam inúmeras vagas. Não sei o que me deu. Não costumo nem furar sinal vermelho de madrugada, sempre acho que o cidadão de bem tem que dar exemplo, ser exemplo. Mas, enfim. Cometi um erro. Achei que o depósito era rapidinho, minha folha de ponto não iria esperar por um atraso.
Ao retornar do banco, deparei-me com um Uno cinza com adesivos que diziam: ‘A serviço do Fórum’ travando a minha saída do estacionamento. Logo pensei: eu mereci...quem desobedece a lei, paga. Fui em direção ao guarda que estava na sombra de uma robusta árvore junto a um senhor que, me parecia, coordenava o estacionamento.
- O Gol preto é meu.
Disse certa de que seria penalizada. Então, o guarda respondeu com muita educação e cordialidade: “Terei que notifica-la. Esse estacionamento é só para funcionários do Fórum.”
– Perfeitamente. Estou errada. Pode fazer a notificação.
No meu ponto de vista, de uma pessoa comum e sem a suficiente ciência do Direito, entendi que o preço pelo erro que cometi seria pago junto à multa que receberia. Assim, pedi aos funcionários do Fórum que ali estavam devido ao congestionamento do estacionamento que pedissem ao usuário do carro a serviço do poder judiciário que o tirasse, pois impedia a minha passagem.
Iam meninos, vinha o guarda, ia o senhor responsável pelo estacionamento, vinha mais uma porção de funcionários (todos homens) e nada era resolvido. Mas todos me trataram com extrema educação e até alguma ternura. “Socorro, a responsável pela administração do Fórum, não iria entregar a chave do carro para retirá-lo”, diziam todos. “A senhorita terá que aguarda-la terminar uma reunião com o Juiz”, repetiam todos.
Fui até a sala da Administração. A moça, que parecia ser sua secretária, até tentou mais de uma vez conseguir a chave com a senhora responsável, a meu pedido, mas não teve sucesso e nem me deu maiores explicações.
E eu aguardando. Mais de uma hora já havia se passado. Uma outra pessoa também estacionara o carro na mesma situação que eu. Para melhorar o congestionamento, o senhor que respondia pelo local pediu a uma outra funcionária que reposicionasse seu veículo. Eu, debaixo da árvore robusta, apenas a vi gritando com o senhor com muita grosseria e falta de educação: “Pois fique sabendo, se acontecer na minha vaga você deixa a pessoa aqui até eu ir embora!”.
Foi quando o guarda veio de dentro do prédio que abriga a justiça e disse-me. “A Socorro já chegou. Vá lá e peça a ela que retire o carro”. Assim o fiz.
Agora começa a nossa história, Socorro.
Aproximei-me da senhora e percebi sua postura diante da minha presença. Olhando-me por cima, estava a mulher que parecia ter seus cinqüenta anos. Olhos claros, cabelos loiros, voz firme.
Então disse a ela o quanto eu estava errada. Que a notificação já havia sido feita e que me desculpasse o transtorno, mas eu estava em horário de trabalho e precisava ir. Foi quando, pela primeira vez em meus vinte e sete anos, vi, materializado em minha frente, o que era o termo “fazer justiça com as próprias mãos”.
“Pode esperar. Não vou tirar o carro agora. É bom para você ter um tempo para pensar sobre o erro que cometeu”, disse-me em tom áspero. Quando reafirmei que já estava atrasada no trabalho e que não poderia esperar. Ela manteve-se firme.
Sai de sua sala indignada. Uma funcionária do Fórum da Comarca de Ipatinga, mesmo que não juíza, não advogada e nem promotora, carrega em sua vida o dever de dar exemplo. O dever de saber que todos podem errar e têm o direito irrevogável de pagar pelos seus erros nos termos da lei.
A mesma lei que reza sobre a minha conduta, a do morador do barraco no ponto mais alto da favela e a da administradora do Fórum. A lei que não permite que cidadão algum seja julgado por qualquer pessoa que não seja um magistrado. Um juiz que se preparou anos a fio para a tarefa tão difícil de qualificar e estabelecer diretrizes às vidas das pessoas. Juizes dão sentença. Ainda assim, após analisar e estudar a vida, o erro e os acertos do indivíduo. Pessoas comuns não estabelecem “castigos”. Hoje, nem as professoras do primário colocam mais os alunos com o nariz no quadro negro para “pensarem sobre seus erros”.
Gostaria de falar aqui que exemplos assim, como a Socorro, instalada numa das salas de ambiente forense, fazem o país no qual vivemos. Cada um critique sob seu ponto de vista. Não vou enveredar, aqui, por esses caminhos.
Socorro não me fez esperar. Olhei-a no olho. Disse a ela que ela não poderia prender a mim e a meu carro ali, pois sabia dos meus direitos (e quem não sabe? E quem não tem instrução? Iria ficar ali ao bel prazer da punição de Socorro?). Logo que deixei sua sala ela mandou um de seus funcionários retirar o carro que me impedia seguir meu caminho.
Esse é um exemplo do que, na verdade, quero falar aqui hoje. Mulheres de hoje. Mulheres independentes. Mulheres como a Socorro.
Todos os homens trataram-me com educação. Todas as mulheres da história que conto foram deselegantes, ríspidas e grosseiras com seus interlocutores. O que está acontecendo com nós? A mulher é a detentora da doçura, do carisma, da intuição. A mulher tem em seus genes, naturalmente, o lado meigo, o colo quente que abriga, a mão protetora que afaga. A mulher tem, através dos hormônios que correm em seu corpo, a divina sabedoria da leveza e da ternura, o poder de trazer harmonia, a virtude de organizar com amor. Não que os homens não tenham essas qualidades e não devam buscá-las. Mas homens são seres cheios de testosterona, são feitos de músculo, de força.
Tudo bem. Já queimamos os sutiãs em praça pública. Já radicalizamos o suficiente. Já conseguimos alcançar autonomia. Penso que agora é hora de revermos o que toda essa conquista tem feito com nós...e de nós. É incoerente falarmos que a mulher é igual ao homem. Não, não é. Somos diferentes fisicamente, emocionalmente. Dedicamos parte da nossa vida a gerarmos e cuidarmos de um, dois – seja lá quantos forem – filhos. Amamentá-los. Temos menopausa e, antes disso, nossos hormônios são tão constantes como a lua e suas fases.
Não estou propondo respostas para a nossa situação atual. Não as tenho. Nem sou retrógrada a ponto de imaginar vivermos novamente como nossas avós. O que me preocupa, no fundo da alma, é onde vamos parar com mulheres tão ausentes, tão estressadas, tão abarrotadas de trabalho e responsabilidades sociais. Será que estamos dando conta? Acho que não. Estivéssemos, ainda teríamos a ternura no olhar ou, sem pedir muito, respeito pelo outro que é, uma das inúmeras formas de manifestar amor.
terça-feira, 4 de março de 2008
O presente que o amigo do meu pai me deu
Era uma daquelas tardes de folga do meu pai, que trabalhava no esquema de turnos numa empresa da região. Morávamos em um barraco nos fundos da grande casa que estava em reforma para abrigar minha família que viveria, ali, bons anos de harmonia.
O barraco era muito pequeno, mas cabíamos lá, eu, minha mãe, meu pai e minha irmã. Vivemos ali por dois anos.
Naquela tarde de folga meu pai me chamou ao quarto, único do barraco, onde a mobília se resumia a uma cama de casal, uma de solteiro e uma cômoda. Cinco anos eu tinha àquela época.
Pai ajeitou-se aos pés da cama e me puxou ao colo, sempre paternal e generoso. Suas pernas, tão compridas para mim naquele momento, mal cabiam entre a cama e a cômoda. Com um sorriso no rosto ele me disse: - Filha, um grande amigo meu está indo embora para Vitória, mas ele gosta muito de você e lhe deixou um presente – naquele momento não desconfiei que se tratava do presente mais importante da minha vida.
Na última gaveta, emaranhado a uma porção de roupas, estavam lá, dois embrulhos de presente. Antes que eu abrisse, com a curiosidade extasiante das crianças ele alertou-me: - Não diga nada à sua irmã (Pâmela, na época, tinha três anos e já estava bastante crescidinha para entender as coisas do mundo), ela poderá sentir ciúmes e o presente é pra você.
Um livro. Um perfume.
Esses eram meus presentes. Mas havia um agravante: eu não sabia ler aos cincos anos de idade, principalmente um livro de texto corrido, sem gravuras e espaçamentos. O perfume, do qual o frasco recordo-me com perfeição, era de mulher. Mulher adulta.
Diante dos meus olhos, que abrigavam um misto de desinteresse e felicidade, meu pai deixou o recado: - Quando souber ler, lhe entregarei o livro.
Eu, na correria louca das crianças que têm quintal em casa, dei-lhe um beijo e já corri para fora para continuar minha brincadeira tão mais interessante que um livro e um perfume sem utilidade.
Alguns anos se passaram. A grande casa já reformada. Lá já vivíamos eu, minha mãe, meu pai e duas irmãs. Paloma havia nascido. Com a mudança, a compra de novos móveis e o tempo, os presentes do amigo do meu pai se perderam enquanto eu me perdia em livros infantis com figuras que se transformavam à medida que se mexia o livro – uma coletânea de clássicos infantis, presente da minha mãe, recordo-me do cheiro daquela coleção.
Foi quando um dia, na estante robusta da sala de jantar, bisbilhotando, me deparei com o livro ganhado a alguns anos. ‘Pollyanna’. Esse era o nome do livro. O amigo do meu pai deu-me de presente uma estória que tinha o meu nome e que mudou, de fato, a minha história.
Bati a poeira e comecei a ler. Li uma, duas, três, quatro vezes. Infância e adolescência. Lia comendo balas de amendoim, balas essas que não se encontra mais hoje.
Minha xará me encantava, me surpreendia, me causava raiva, me angustiava, me fazia imaginar os verdes campos da casa de sua tia, a doçura do seu olhar, a árvore que ficava à sua janela em um pequeno quarto no sótão.
Depois vieram outros amores. ‘O Guarani’, ‘Dom Casmurro’, ‘O Cortiço’, ‘Senhora’ e tantos outros. ‘Pollyanna’ se perdeu. Em algum lugar, por algum motivo.
Os anos se cumpriram, algumas profecias também. Na grande casa já não moramos mais. Apenas minha mãe e uma tia. A estante robusta de madeira maciça que há anos devolveu-me o livro-presente causava medo. Lá, eu tinha certeza, havia segredos meus de outras épocas, épocas que não gosto de relembrar, sinto saudade.
Hoje, olhei para aquela estante. Nas prateleiras algumas garrafas de bebidas da época em que meus pais ainda eram casados. Abri uma grande porta lateral. Encontrei ali alguns cadernos escolares do ensino médio, algumas cartas de amigas que foram morar fora, alguns cartões de natal do início da década de 90. Agachei-me e abri a porta onde minha mãe guardava muitos livros, lugar por onde eu passeava constantemente em busca de algo para ler.
Para minha surpresa, lá estava: ‘Pollyanna’ – Eleanor H. Porter. Tradução: Monteiro Lobato. Emocionei-me. Era o meu livro, meu primeiro livro, o livro que o amigo do meu pai me deu.
Ao abrir, logo na primeira página, escrito com a letra inconfundível do meu pai: “Pollyane e Dorico” – meu pai chama-se Dorico. Essa junção, que apenas os enamorados fazem, dizia de um momento único. Aquele momento ao pé da cama.
Meu pai não se recorda o nome do amigo. Nem eu. Mas sei que ele me abriu o universo da leitura e onde quer que ele esteja, sempre terá a minha gratidão e o meu amor, tal qual o amor que ele sentiu ao comprar um livro e um perfume para uma menina que talvez nunca mais lembrasse sua feição, talvez nem seu gesto quando se tornasse uma mulher.
Do perfume, não tive notícias, nem àquela época, nem hoje. Mas o livro está aqui, ao meu lado, para sempre...
O barraco era muito pequeno, mas cabíamos lá, eu, minha mãe, meu pai e minha irmã. Vivemos ali por dois anos.
Naquela tarde de folga meu pai me chamou ao quarto, único do barraco, onde a mobília se resumia a uma cama de casal, uma de solteiro e uma cômoda. Cinco anos eu tinha àquela época.
Pai ajeitou-se aos pés da cama e me puxou ao colo, sempre paternal e generoso. Suas pernas, tão compridas para mim naquele momento, mal cabiam entre a cama e a cômoda. Com um sorriso no rosto ele me disse: - Filha, um grande amigo meu está indo embora para Vitória, mas ele gosta muito de você e lhe deixou um presente – naquele momento não desconfiei que se tratava do presente mais importante da minha vida.
Na última gaveta, emaranhado a uma porção de roupas, estavam lá, dois embrulhos de presente. Antes que eu abrisse, com a curiosidade extasiante das crianças ele alertou-me: - Não diga nada à sua irmã (Pâmela, na época, tinha três anos e já estava bastante crescidinha para entender as coisas do mundo), ela poderá sentir ciúmes e o presente é pra você.
Um livro. Um perfume.
Esses eram meus presentes. Mas havia um agravante: eu não sabia ler aos cincos anos de idade, principalmente um livro de texto corrido, sem gravuras e espaçamentos. O perfume, do qual o frasco recordo-me com perfeição, era de mulher. Mulher adulta.
Diante dos meus olhos, que abrigavam um misto de desinteresse e felicidade, meu pai deixou o recado: - Quando souber ler, lhe entregarei o livro.
Eu, na correria louca das crianças que têm quintal em casa, dei-lhe um beijo e já corri para fora para continuar minha brincadeira tão mais interessante que um livro e um perfume sem utilidade.
Alguns anos se passaram. A grande casa já reformada. Lá já vivíamos eu, minha mãe, meu pai e duas irmãs. Paloma havia nascido. Com a mudança, a compra de novos móveis e o tempo, os presentes do amigo do meu pai se perderam enquanto eu me perdia em livros infantis com figuras que se transformavam à medida que se mexia o livro – uma coletânea de clássicos infantis, presente da minha mãe, recordo-me do cheiro daquela coleção.
Foi quando um dia, na estante robusta da sala de jantar, bisbilhotando, me deparei com o livro ganhado a alguns anos. ‘Pollyanna’. Esse era o nome do livro. O amigo do meu pai deu-me de presente uma estória que tinha o meu nome e que mudou, de fato, a minha história.
Bati a poeira e comecei a ler. Li uma, duas, três, quatro vezes. Infância e adolescência. Lia comendo balas de amendoim, balas essas que não se encontra mais hoje.
Minha xará me encantava, me surpreendia, me causava raiva, me angustiava, me fazia imaginar os verdes campos da casa de sua tia, a doçura do seu olhar, a árvore que ficava à sua janela em um pequeno quarto no sótão.
Depois vieram outros amores. ‘O Guarani’, ‘Dom Casmurro’, ‘O Cortiço’, ‘Senhora’ e tantos outros. ‘Pollyanna’ se perdeu. Em algum lugar, por algum motivo.
Os anos se cumpriram, algumas profecias também. Na grande casa já não moramos mais. Apenas minha mãe e uma tia. A estante robusta de madeira maciça que há anos devolveu-me o livro-presente causava medo. Lá, eu tinha certeza, havia segredos meus de outras épocas, épocas que não gosto de relembrar, sinto saudade.
Hoje, olhei para aquela estante. Nas prateleiras algumas garrafas de bebidas da época em que meus pais ainda eram casados. Abri uma grande porta lateral. Encontrei ali alguns cadernos escolares do ensino médio, algumas cartas de amigas que foram morar fora, alguns cartões de natal do início da década de 90. Agachei-me e abri a porta onde minha mãe guardava muitos livros, lugar por onde eu passeava constantemente em busca de algo para ler.
Para minha surpresa, lá estava: ‘Pollyanna’ – Eleanor H. Porter. Tradução: Monteiro Lobato. Emocionei-me. Era o meu livro, meu primeiro livro, o livro que o amigo do meu pai me deu.
Ao abrir, logo na primeira página, escrito com a letra inconfundível do meu pai: “Pollyane e Dorico” – meu pai chama-se Dorico. Essa junção, que apenas os enamorados fazem, dizia de um momento único. Aquele momento ao pé da cama.
Meu pai não se recorda o nome do amigo. Nem eu. Mas sei que ele me abriu o universo da leitura e onde quer que ele esteja, sempre terá a minha gratidão e o meu amor, tal qual o amor que ele sentiu ao comprar um livro e um perfume para uma menina que talvez nunca mais lembrasse sua feição, talvez nem seu gesto quando se tornasse uma mulher.
Do perfume, não tive notícias, nem àquela época, nem hoje. Mas o livro está aqui, ao meu lado, para sempre...
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