Ontem comemoramos mais um 'Dia Mundial de Combate à Aids'. Queria ter feito este post ontem mesmo, mas não deu tempo....Vou contar uma história que, pode ser, poucas pessoas da minha idade tiveram a oportunidade de vivenciar.
Era início da década de 90, mais precisamente 1992. Meu pai estava para se aposentar e procurava um novo afazer. Foi quando um certo dia, voltando da Cenibra (empresa na qual trabalhou por anos), por volta das seis da tarde (era tão legal vê-lo virando a esquina com aquele uniforme sem cor, era uma hora do dia especial para mim), deparou-se com uma placa de vende-se numa lojinha de parafusos que tinha como endereço o número em frente a nossa casa.
Meu pai entrou e conheceu o Edson, dono da loja. Conversa vai, conversa vem, a plantinha da esperança já florescia no coração do meu, então, jovem pai.
Ele e minha mãe nem titubearam. Iriam comprar a loja que o Edson vendia. Ela iria crescer, ganhar o mundo! Mas como meu pai não tinha ainda traquejo com os parafusos, porcas e arruelas, pediu ao Edson que ficasse uns meses em nossa casa (Edson era da capital mineira) afim de lhe orientar. Generosamente, ele ficou.
Edson era doente, ele dizia que sofria de leucemia, por isso vendera a loja, para, com o dinheiro, se tratar em Belo Horizonte. Mas com sua estadia em nossa casa (eu cedi meu quarto para ele), descobrimos que convivíamos com um soro-positivo. Edson era homoafetivo e tivera um amor que já havia partido. Morrera de Aids.
Não sei como ficamos sabendo...só sei que a reação dos meus pais foi incrível.
À época, muitas dúvidas, incertezas, medos rondavam a doença dos gays. Falava-se que compartilhar talheres, abraçar, sentar no mesmo lugar no ônibus, compartilhar banheiros eram formas de transmissão da doença. E nós tínhamos um homem gentil e aidético dentro de casa que almoçava e jantava conosco, utilizava nossos banheiros, bebia cerveja com meu pai, nos abraçava quando retornava das visitas à sua família e dormia na minha cama, no quarto que eu emprestei para ele.
A notícia de que Edson tinha HIV parece que não abalou meus pais. O comportamento deles diante da doença e das dúvidas foi totalmente à frente daquele tempo. O Edson leucêmico ou aidético, homem ou gay, era o Edson e ponto.
Em 1992 o tratamento para a doença era muito difícil, muito diferente de hoje quando podemos nos orgulhar de que o Brasil é referência mundial no tratamento da Aids. Acho que se já existia, o AZT era muito caro e de difícil acesso. O Edson sabia que iria morrer. Queria apenas um tempo de sobrevida. Penso que ele encontrou um pouco de amor em nossa casa, em sua breve estadia.
Dois meses se passaram e ele fora embora. Minha mãe sempre ligava para ter notícias e acabou ficando amiga de sua mãe. Ela lhe contara que o médico pedia para que ela lavasse as roupas dele com uma luva muito grossa, desinfetasse e que ninguém mais encostasse. Pedia também para que nenhum objeto de uso dele fosse compartilhado.
Minha mãe, um certo sábado, acordou com o coração apertado e disse que iria visitar o Edson em BH. Pra frente como ela sempre foi, pegou o carro e se mandou. Quando voltou, nos relatou que ele estava extremamente fraco, isolado num quarto, quase sem conseguir falar. Ele fez um enorme esforço para pegar na mão de minha mãe. Ela contou a ele que a Henripar ia bem, que o seu Henrique, seu pai, podia ficar orgulhoso do filho. Um café, uma água, ela veio embora.
Dias depois tivemos a notícia de que Edson havia morrido.
Ele adorava o macarrão ao molho sugo da tia Dorinha e, muitas noites, nós ficávamos horas batendo papo sobre assuntos variados, talvez só pra não ter que assistir à novela.
Acho que ele não imaginava que sua lojinha de parafusos iria crescer tanto....a Henripar do seu Henrique, do Edson, do meu pai.
E onde ele estiver, seu que vai estar feliz, porque embora tenha partido magro e pálido, sua alma era colorida.
Beijos, Edson!
3 comentários:
Pequenas correções:
1 - Eu chegava da Cenibra e vi a placa de vende-se, como eu já conhecia o Edson e a loja, comentei com a sua mãe que eu gostaria de comprar, com o objetivo de prepará-la pois eu aposentaria em 94. Porem eu não tinha condições financeiras no momento, já que o preço era 6000 URV ( Dólar ).
No dia seguinte viajei a SP onde fiquei uma semana fazendo curso.
Sua mãe comentou o assunto com a Aurélia e as duas foram até o Edson procurar para ver como negociar, foi quando ele dividiu em duas parcelas de 3000.A noite liguei para casa e sua mãe falou que a Aurélia tinha 3000 para ajudar a comprar e os outros 3000 ela daria 1500 no décimo dela e eu completaria. Concordei quando cheguei de SP eu a Aurélia a Morais e o Edson nos reunimos e acertamos os detalhes. A Aurélia entregou os 300 para o Edson,e providenciamos a transferência da empresa com 50% para mim e 50% para a Aurélia.
O RESTO DA ESTÓRIA ESTA CERTINHA.
BEIJOS,
(Comentário do meu pai após ler o texto)
perfeito amiga! mais uma vez PERFEITO! Me emocionei ao ler esse texto!!! lindo!! PARABENS MINHA ESCRITORA PREFERIDA..
adorei a inciativa do blog...quanto ao texto sobre o Edson, comovente o relato..o tom pessoal da história e a urgência do assunto que ainda é cercado de tabús!
parabéns!
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