Ela estava preparada para alçar um novo voo.
Arrumara o ninho com dedicação, competência e carinho.
Trocou os gravetos que colhera no inverno por um brilhante capim dourado, procurou pelo bosque outros ninhos que lhe serviram de inspiração para traçar tramas mais certeiras e bonitas, o abasteceu com a melhor comida que encontrara pelo caminho para que tudo corresse bem em sua ausência.
O voo estava preparado.
Enquanto se ocupara em deixar o ninho formidável para que sua alavancada fosse feita tranquila e segura, para que o caminho que começava a se abrir não desfizesse o pequeno e aconchegante aninhamento já construído, também treinou suas asas.
Asas que lhe foram dadas em motivo ainda desconhecido. Asas que ela tratou de exercitar, pois sabia-se capaz. Asas que já a haviam levado a lugares de movimentos leves, aprendizado constante , encontros de ordem maior. Asas também que a fizeram visitar a sombra, os vales nublados, os caminhos espinhosos.
Tudo pronto para sua partida.
Saiu em derradeiro passeio pela floresta para que, mesmo num lugar mais alto, sempre se lembrasse do lugar de partida, do seu ninho dourado.
Suas asas estavam enormes, glamourosas, resplandescentes diante do reflexo dos últimos raios de sol que se infiltravam entre o arvoredo.
Ao retornar, não conteve a tristeza. Haviam destruído seu ninho!
De certo gaviões haviam passado por ali durante seu passeio. Sentiu, naquele momento de cores cinzas, como se suas asas houvessem sido cortadas. Sentiu a dor da perda, o medo do desconhecido, o desânimo de tudo recomeçar.
Desistir e morar em outros ninhos nem estava em questão. Sua escolha havia sido feita. E mesmo sabendo que mudar de escolha é ser inteligente o suficiente para manter-se na roda da vida, esse não era seu desejo.
Com humildade e resiliência, reuniu-se com os gaviões, ouviu seus motivos para tamanho estrago, pediu, mesmo estando em posição correta , para que compreendessem seu momento e não terminassem o estrago já iniciado. Pediu como o que pedisse não fora seu direito. Pediu em voz baixa. Pediu com olhar sereno. Pediu por favor.
Os gaviões, com suas garras afiadas, fizeram questão de lhe fazer exigências. A trataram com prepotência e certa ignorância. Ainda assim, mantera-se pequena, olhar piedoso, mas sentimento de injustiça. Fingiu acreditar no errado como certo, afim de que eles não voltassem e aumentassem o estrago.
Sentiu-se mau por não ter cuspido em suas feias faces, mas preferiu usar suas asas para colher novos gravetos.
O dia estava lindo...