O dia que completei trinta anos foi uma correria só. Muitos telefonemas gentis, inúmeros amorosos, trabalho – preparando reunião de análise crítica (uma das tarefas mais importantes e meticulosas do meu novo ofício). Não omito que em determinados momentos minha mente voava: - o que meu pai iria me dizer, qual seria o ensinamento dessa vez? Quem irá me ver? O abraço que eu mais desejo, ele virá? Será que vai ser legal...a galera reunida, muita cerveja, sorrisos, votos de felicidade. Subia uma alegria (falo subia, porque era como que um frio na espinha) e meu coração se inflava na mais leve expectativa.
Quando cheguei em casa, separei minha roupa para a grande noite, ajeitei em cima da cama e pensei em descansar alguns minutos. Cabeça cansada...mas a ansiedade não permitia, então fui logo para o banho. Tomei o banho merecido das mulheres de trinta anos. Sabonete de menta e ervas refrescantes, um man at work tocando baixinho, bucha macia, vela de canela e um óleo passado em cada cantinho, como numa massagem para finalizar.
Saída do transe, olhei à minha volta. Objetos carregados de lembranças constituem meu canto. Um sapinho lindo que meu cunhado meu deu há mais de oito anos trazido de uma viagem à Itália, a Lili, minha bruxa de pano e companheira de mais de uma década, sempre com sua vassoura preparada para o dia de nossa viagem pelo mundo, a placa que minha família me deu no dia da minha formatura, o Zum, meu gatinho preto de pelúcia que a Pa trouxe da Disney, as fotos com meu pai, minha mãe e minhas luzes que vieram com o nome de irmãs, meu oratório eclético, as velas que trouxe da África, o telefone de falar com deus, um bebê com um livro que ganhei de uma pessoa muito especial na minha história...nossa...tanta coisa...os livros...ah..os livros....
Sentei bem na beiradinha da cama e me perguntei: - o que eu aprendi nesses anos todos? Mas, o que eu aprendi de verdade, que era irrefutável e serviria para todos?
De primeira lembrei do filtro solar. É, Mary Schmich estava certa quando disse que a única certeza da vida era usar filtro solar. Veio-me a lembrança clara do dia que carinhosamente minha mãe me levou, aos treze anos, ao dermatologista. Sim. Desde então não saio sem ele (o filtro solar). Essa lição eu já aprendera há tempos. O que me ocorreu logo depois foi a certeza de que o mundo dá voltas, sim, no sentido literal e metafórico. Aos vinte, ainda não deu tempo de completarmos muitas voltas. Lembrando disso perdi muito do medo de viver. Todos já estivemos do lado noite da volta e assim, também, como a lei natural, estivemos lindos, do lado dia. Ninguém vai passar ileso pela vida.
São os reencontros, as perdas, os ganhos, encontrar o amor numa cidadezinha depois do cafundó, o aceitar o inaceitável de outrora, é perceber que aquela pessoa que não nos era tão simpática assim tem um puta papo agradável depois da quarta cerveja, perder os estigmas, ser padrinho ou madrinha de casamento daquele solteirão convicto, não ter vergonha de abraçar uma árvore em pleno parque lotado, é assumir pra você mesmo que você tem defeitos insuportáveis, sem vergonha, honestamente, é virar tiete de um artista depois da adolescência, é admitir que de nada sabemos nessa vida e que muitas de nossas convicções são clichês baratos de rodapé de calendário....estou certa, vocês sabem do que estou falando.
Então, de duas coisas tenho certeza: o filtro solar e a bipolaridade da existência.
Com essa consciência, o que me resta é relaxar e deixar a vida acontecer e fazê-la acontecer sem medo, mas com muito filtro solar.