Hoje Oscar Niemeyer completa 102 anos. Como disse Fidel em carta ao próprio, nas comemorações de seu centenário. "Niemeyer é o mais velho socialista vivo". Além de ser referência mundial em arquitetura, com construções erguidas tanto no Brasil, como no exterior, inclusive a sede do Partido Comunista em Paris, o mestre das curvas é um poeta do que se pode tocar.
Mesmo com as objeções (quem que é tão bom no que faz que nunca sofreu uma crítica?), de que suas construções são inviáveis, difíceis de mobiliar dado aos ângulos curvilíneos, cheias de espaços vazios, ele ainda é um poeta. Talvez, por esses mesmos motivos o seja.
Numa matéria que fiz sobre o Palácio da Liberdade em Belo Horizonte, descobri nos arquivos que Oscar mandou uma planta para o governo na época (não me lembro bem agora), sugerindo que o Palácio, de pés atolados na arquitetura francesa, fosse jogado inteiramente ao chão para a execusão de seu projeto (audacioso, não?). A proposta não foi aceita, tanto pelo custo oneroso, quanto pelo trabalho que daria. Mas o velho jovem senhor, depois de décadas de esquecimento de sua proposta, ganha a honra de assinar o projeto da nova sede do governo mineiro (ou seria a honra do governo?). Suas curvas não mentem: o mundo da voltas.
Um arquiteto, um pintor, um escultor fazem arte palpável. É diferente da música e da poesia. Mas nem nisso Niemeyer nos decepciona. Para ele, assim como para mim e para o Chico (Buarque), uma coisa só está realmente boa se soar como uma música do Tom. Eu acrescentaria do Vinicius também. Por isso, vou deixar uma fala do arquiteto que, deve ter sido entoada com um pito de canto de boca, para quem nunca a leu, vai soar bem aos ouvidos: "Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país. No curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein." Oscar Niemeyer
Parabéns!
Esse blog é uma tentativa de não usar Prozac. Escrever é uma doença incurável. Mas, com certeza, uma das mais belas doenças.
Pensações
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Reconstrução
Uma das melhores frases para se adotar para a vida foi dita por um homem cujo pensamento me atrai: "Tudo que é sólido desmancha no ar"- Karl Marx. A vida é cheia de desmanches, inclusive do que mais possuímos de sólido (ou achamos possuir). A família que se descontrói, a carreira que não da certo, o filho que deveria ser perfeito, as mudanças que, achamos, construímos, o amor de alguém.
Mas para tanto, devemos estar preparados. Quando as coisas se desmancham, é válido procurar o caminho da reconstrução. Reconstruir, passo a passo, uma nova vida. Força e garra são imprescindíveis.
Eu já vi muitas das minhas coisas mais sólidas virarem pó. E é por isso que acredito que a reconstrução é inevitável nessa vida...mas não impossível. Impossível é, só mesmo, a morte.
Mas para tanto, devemos estar preparados. Quando as coisas se desmancham, é válido procurar o caminho da reconstrução. Reconstruir, passo a passo, uma nova vida. Força e garra são imprescindíveis.
Eu já vi muitas das minhas coisas mais sólidas virarem pó. E é por isso que acredito que a reconstrução é inevitável nessa vida...mas não impossível. Impossível é, só mesmo, a morte.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Ao Edson
Ontem comemoramos mais um 'Dia Mundial de Combate à Aids'. Queria ter feito este post ontem mesmo, mas não deu tempo....Vou contar uma história que, pode ser, poucas pessoas da minha idade tiveram a oportunidade de vivenciar.
Era início da década de 90, mais precisamente 1992. Meu pai estava para se aposentar e procurava um novo afazer. Foi quando um certo dia, voltando da Cenibra (empresa na qual trabalhou por anos), por volta das seis da tarde (era tão legal vê-lo virando a esquina com aquele uniforme sem cor, era uma hora do dia especial para mim), deparou-se com uma placa de vende-se numa lojinha de parafusos que tinha como endereço o número em frente a nossa casa.
Meu pai entrou e conheceu o Edson, dono da loja. Conversa vai, conversa vem, a plantinha da esperança já florescia no coração do meu, então, jovem pai.
Ele e minha mãe nem titubearam. Iriam comprar a loja que o Edson vendia. Ela iria crescer, ganhar o mundo! Mas como meu pai não tinha ainda traquejo com os parafusos, porcas e arruelas, pediu ao Edson que ficasse uns meses em nossa casa (Edson era da capital mineira) afim de lhe orientar. Generosamente, ele ficou.
Edson era doente, ele dizia que sofria de leucemia, por isso vendera a loja, para, com o dinheiro, se tratar em Belo Horizonte. Mas com sua estadia em nossa casa (eu cedi meu quarto para ele), descobrimos que convivíamos com um soro-positivo. Edson era homoafetivo e tivera um amor que já havia partido. Morrera de Aids.
Não sei como ficamos sabendo...só sei que a reação dos meus pais foi incrível.
À época, muitas dúvidas, incertezas, medos rondavam a doença dos gays. Falava-se que compartilhar talheres, abraçar, sentar no mesmo lugar no ônibus, compartilhar banheiros eram formas de transmissão da doença. E nós tínhamos um homem gentil e aidético dentro de casa que almoçava e jantava conosco, utilizava nossos banheiros, bebia cerveja com meu pai, nos abraçava quando retornava das visitas à sua família e dormia na minha cama, no quarto que eu emprestei para ele.
A notícia de que Edson tinha HIV parece que não abalou meus pais. O comportamento deles diante da doença e das dúvidas foi totalmente à frente daquele tempo. O Edson leucêmico ou aidético, homem ou gay, era o Edson e ponto.
Em 1992 o tratamento para a doença era muito difícil, muito diferente de hoje quando podemos nos orgulhar de que o Brasil é referência mundial no tratamento da Aids. Acho que se já existia, o AZT era muito caro e de difícil acesso. O Edson sabia que iria morrer. Queria apenas um tempo de sobrevida. Penso que ele encontrou um pouco de amor em nossa casa, em sua breve estadia.
Dois meses se passaram e ele fora embora. Minha mãe sempre ligava para ter notícias e acabou ficando amiga de sua mãe. Ela lhe contara que o médico pedia para que ela lavasse as roupas dele com uma luva muito grossa, desinfetasse e que ninguém mais encostasse. Pedia também para que nenhum objeto de uso dele fosse compartilhado.
Minha mãe, um certo sábado, acordou com o coração apertado e disse que iria visitar o Edson em BH. Pra frente como ela sempre foi, pegou o carro e se mandou. Quando voltou, nos relatou que ele estava extremamente fraco, isolado num quarto, quase sem conseguir falar. Ele fez um enorme esforço para pegar na mão de minha mãe. Ela contou a ele que a Henripar ia bem, que o seu Henrique, seu pai, podia ficar orgulhoso do filho. Um café, uma água, ela veio embora.
Dias depois tivemos a notícia de que Edson havia morrido.
Ele adorava o macarrão ao molho sugo da tia Dorinha e, muitas noites, nós ficávamos horas batendo papo sobre assuntos variados, talvez só pra não ter que assistir à novela.
Acho que ele não imaginava que sua lojinha de parafusos iria crescer tanto....a Henripar do seu Henrique, do Edson, do meu pai.
E onde ele estiver, seu que vai estar feliz, porque embora tenha partido magro e pálido, sua alma era colorida.
Beijos, Edson!
Era início da década de 90, mais precisamente 1992. Meu pai estava para se aposentar e procurava um novo afazer. Foi quando um certo dia, voltando da Cenibra (empresa na qual trabalhou por anos), por volta das seis da tarde (era tão legal vê-lo virando a esquina com aquele uniforme sem cor, era uma hora do dia especial para mim), deparou-se com uma placa de vende-se numa lojinha de parafusos que tinha como endereço o número em frente a nossa casa.
Meu pai entrou e conheceu o Edson, dono da loja. Conversa vai, conversa vem, a plantinha da esperança já florescia no coração do meu, então, jovem pai.
Ele e minha mãe nem titubearam. Iriam comprar a loja que o Edson vendia. Ela iria crescer, ganhar o mundo! Mas como meu pai não tinha ainda traquejo com os parafusos, porcas e arruelas, pediu ao Edson que ficasse uns meses em nossa casa (Edson era da capital mineira) afim de lhe orientar. Generosamente, ele ficou.
Edson era doente, ele dizia que sofria de leucemia, por isso vendera a loja, para, com o dinheiro, se tratar em Belo Horizonte. Mas com sua estadia em nossa casa (eu cedi meu quarto para ele), descobrimos que convivíamos com um soro-positivo. Edson era homoafetivo e tivera um amor que já havia partido. Morrera de Aids.
Não sei como ficamos sabendo...só sei que a reação dos meus pais foi incrível.
À época, muitas dúvidas, incertezas, medos rondavam a doença dos gays. Falava-se que compartilhar talheres, abraçar, sentar no mesmo lugar no ônibus, compartilhar banheiros eram formas de transmissão da doença. E nós tínhamos um homem gentil e aidético dentro de casa que almoçava e jantava conosco, utilizava nossos banheiros, bebia cerveja com meu pai, nos abraçava quando retornava das visitas à sua família e dormia na minha cama, no quarto que eu emprestei para ele.
A notícia de que Edson tinha HIV parece que não abalou meus pais. O comportamento deles diante da doença e das dúvidas foi totalmente à frente daquele tempo. O Edson leucêmico ou aidético, homem ou gay, era o Edson e ponto.
Em 1992 o tratamento para a doença era muito difícil, muito diferente de hoje quando podemos nos orgulhar de que o Brasil é referência mundial no tratamento da Aids. Acho que se já existia, o AZT era muito caro e de difícil acesso. O Edson sabia que iria morrer. Queria apenas um tempo de sobrevida. Penso que ele encontrou um pouco de amor em nossa casa, em sua breve estadia.
Dois meses se passaram e ele fora embora. Minha mãe sempre ligava para ter notícias e acabou ficando amiga de sua mãe. Ela lhe contara que o médico pedia para que ela lavasse as roupas dele com uma luva muito grossa, desinfetasse e que ninguém mais encostasse. Pedia também para que nenhum objeto de uso dele fosse compartilhado.
Minha mãe, um certo sábado, acordou com o coração apertado e disse que iria visitar o Edson em BH. Pra frente como ela sempre foi, pegou o carro e se mandou. Quando voltou, nos relatou que ele estava extremamente fraco, isolado num quarto, quase sem conseguir falar. Ele fez um enorme esforço para pegar na mão de minha mãe. Ela contou a ele que a Henripar ia bem, que o seu Henrique, seu pai, podia ficar orgulhoso do filho. Um café, uma água, ela veio embora.
Dias depois tivemos a notícia de que Edson havia morrido.
Ele adorava o macarrão ao molho sugo da tia Dorinha e, muitas noites, nós ficávamos horas batendo papo sobre assuntos variados, talvez só pra não ter que assistir à novela.
Acho que ele não imaginava que sua lojinha de parafusos iria crescer tanto....a Henripar do seu Henrique, do Edson, do meu pai.
E onde ele estiver, seu que vai estar feliz, porque embora tenha partido magro e pálido, sua alma era colorida.
Beijos, Edson!
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