Estou passando por um dilúvio de mim mesma.
Sinto que por onde passo deixo alguma parte derramada.
Meu medo é me esvaziar por completo.
Meu dilúvio é sem arca.
Esse blog é uma tentativa de não usar Prozac. Escrever é uma doença incurável. Mas, com certeza, uma das mais belas doenças.
Pensações
segunda-feira, 21 de julho de 2008
quinta-feira, 3 de julho de 2008
Entre a água, a mágoa e o mundo
Entre ficar angustiada ou com raiva, fiquei na dúvida. Qual seria o pior sentimento? Foi subindo a escada da minha casa que tive a resposta: bati o pé na quina do degrau. Foi uma dor filha da puta. Logo pensei, é melhor sentir raiva. A raiva é cheia de energia, mesmo que uma energia que, mau utilizada, pode não dar bons frutos. Mas essa vontade de matar o outro, de "esganar" o degrau da escada, te dá forças, te enche de coragem. Já a angústia nos "esvazia", nos põe sem forças diante dos fatos, nos maltrata ao invés de querermos maltratar.
Foi mais ou menos assim que compreendi outro sentimento primo-irmão da raiva e da angústia. A mágoa.
A mágoa é pior que o ódio, o rancor e a raiva. Quem odeia tem fome de retalhação, é capaz de carregar um elefante nas costas para prejudicar seu alvo. O ódio movimenta o mundo. O rancor, parece-me, tem cor terracota. Somos capazes de carregá-lo por uma vida inteira sem que ninguém saiba. O rancor é uma cobra rasteijante pronta para dar o bote. O rancor enrigesse os músculos, sobressalta a veia do pescoço. O rancor movimenta o mundo.
Já ter mágoa é minguar. Minguar por dentro. Ficar aguado. Pessoas magoadas não matam nem destroem torres. Pessoas com ódio e rancor, sim. Só sentimos mágoa por quem amamos. Você sente algo ruim por seu chefe? Desde que ele não seja seu pai ou marido, pode estar certo. É raiva. Ninguém sente mágoa de alguém que lhe fechou no cruzamento, nem do menino de rua que lhe levou uns trocados. Sentimos mágoa é do namorado que esqueceu o aniversário de namoro, da mãe que não foi na festinha da escola, do filho que tem vergonha de nós e de nossos cuidados.
A mágoa suga as forças. Tira a fome. Carrega para longe o brilho nos olhos. O pior, a mágoa emudece. A mágoa adoece.
Não entendo o porquê de mágoa rimar com água. Água lava, clareia, hidrata. Mágoa seca. Seria a mágoa uma "má água"? Uma água que invade e, ao invés de lavar, suja tudo por dentro? A invés de hidratar, seca? Deixa tudo escuro?
Ficar sem forças é pior, não nos deixa agir e, sem ação, não nos damos o direito da aprendizagem. Ficar estagnado debaixo do cobertor, nos regando com essa água suja é pior que cometer uma loucura. Os loucos movimentam o mundo.
Foi mais ou menos assim que compreendi outro sentimento primo-irmão da raiva e da angústia. A mágoa.
A mágoa é pior que o ódio, o rancor e a raiva. Quem odeia tem fome de retalhação, é capaz de carregar um elefante nas costas para prejudicar seu alvo. O ódio movimenta o mundo. O rancor, parece-me, tem cor terracota. Somos capazes de carregá-lo por uma vida inteira sem que ninguém saiba. O rancor é uma cobra rasteijante pronta para dar o bote. O rancor enrigesse os músculos, sobressalta a veia do pescoço. O rancor movimenta o mundo.
Já ter mágoa é minguar. Minguar por dentro. Ficar aguado. Pessoas magoadas não matam nem destroem torres. Pessoas com ódio e rancor, sim. Só sentimos mágoa por quem amamos. Você sente algo ruim por seu chefe? Desde que ele não seja seu pai ou marido, pode estar certo. É raiva. Ninguém sente mágoa de alguém que lhe fechou no cruzamento, nem do menino de rua que lhe levou uns trocados. Sentimos mágoa é do namorado que esqueceu o aniversário de namoro, da mãe que não foi na festinha da escola, do filho que tem vergonha de nós e de nossos cuidados.
A mágoa suga as forças. Tira a fome. Carrega para longe o brilho nos olhos. O pior, a mágoa emudece. A mágoa adoece.
Não entendo o porquê de mágoa rimar com água. Água lava, clareia, hidrata. Mágoa seca. Seria a mágoa uma "má água"? Uma água que invade e, ao invés de lavar, suja tudo por dentro? A invés de hidratar, seca? Deixa tudo escuro?
Ficar sem forças é pior, não nos deixa agir e, sem ação, não nos damos o direito da aprendizagem. Ficar estagnado debaixo do cobertor, nos regando com essa água suja é pior que cometer uma loucura. Os loucos movimentam o mundo.
terça-feira, 1 de julho de 2008
Opinião e Vergonha
No guichê da Viação Presidente na Rodoviária de Belo Horizonte, o moço que vende passagens pergunta: qual poltrona você vai querer? O ônibus está quase cheio e sai daqui a vinte minutos, 27, 42 ou 13?
Eu, um tanto incrédula, um pouco mística, e sem muito tempo para pensar, logo escolhi: - a 13, por favor.
Mal sabia que ao meu lado encontraria uma jóia rara. Desses presentes que o universo nos dá hora ou outra, sem pedirmos, nem pesquisar.
Plataforma G. Peço licença e sento-me ao lado de um senhor que aparentava mais de setenta anos. Muito magro, óculos bem antigos, um chapeuzinho de abas diferentes. Segurava uma bolsa como se ali estivesse tudo o que conquistou em todas suas dezenas de anos. Era o seu Lourenço. Figura que causou-me extrema simpatia.
Percebia-se, logo de cara, que tratava-se de um homem que fora bonito em sua juventude, mas um tanto sofrido nos tempos de agora.
Seu Lourenço não obsteve-se. Logo puxou conversa e eu, que adoro uma prosa com os mais velhos, não recusei seu convite.
- Não, não sou daqui. Sou de Ipatinga. Vim para Belo Horizonte estudar, conhecer um pouco mais do mundo e descobrir algumas coisas que penso, ainda não sei.
Seu Lourenço já disparou toda sua história, o porquê de estar em Belo Horizonte e que estava doido para chegar em casa, quatorze quilômetro depois de Caratinga - última parada do ônibus no qual havíamos embarcado.
- Eu vou de Caratinga a Santa Luzia à pé. Vou bem rapidinho, subo e desço os barrancos num pulo cantarolando as canções que sei cantar.
Descobri que ele ganhara de seu padrinho uma viola aos quatorze anos. - Como aprendeu a tocar, Seu Lourenço?
- Ué, minha filha, aprendi a tocar como tudo que se aprende na vida. Tocando.
Resposta dada. Resposta entendida.
Meu companheiro de poltrona olha para fora. Observa o congestionamento e vira-se para mim: - você tem religião?
- Não, não gosto muito dessa história de religião.
- Então, você é atéia?
- É, pode ser...
- Pois esperta é você. O homem inventou essa história de religião para ganhar dinheiro. Arrancar dinheiro dos bobos que não acreditam em si. Esse negócio de dízimo, dar dez por cento do salário para a igreja, ficar sem comer uma carne bem gorda porque tem que dar o dinheiro para o pastor é conversa fiada. O pastor come carne bem gorda.
- Também acho, Seu Lourenço (que já falava exaltado, com uma certa mágoa e muita indignação).
Fiquei calada, não queria render o papo. Papo de religião não é meu forte. Mas, volta Seu Lourenço: - você acha que deus é puro amor como o povo diz aí? Não é não. O homem inventou essa história de que deus é puro amor para justificar o bem e o mau. A Terra é do demônio. Se tem alguma coisa que é de deus é o céu. Lá é de deus. Aqui é tudo do demônio.
Eu, segurando para não rir (não porque suas palavras não eram sábias, mas pela sinceridade desinteressada daquele senhor), perguntei: - alguém disse isso para o senhor, ou você tirou isso da sua própria cabeça?
- Ninguém falou nada comigo não, minha filha. Eu vejo tudo, meus óculos tão velhos, mas eu vejo tudo...
Eu é que não duvido....
Seu Lourenço voltou a olhar pela janela. Agora era só vegetação. Aquelas árvores que correm quando estamos viajando, mas por pouco tempo. Logo voltou-se: - sabe qual é a única coisa que todo homem deveria ter?
Claro que eu não sabia. Eu, vinte e alguns anos, umas poucas teorias na cabeça e algumas idéias que não sei se boas ou ruins.
- Opinião e Vergonha!
Para mim, foi um disparo. Sim, claro, se todos tivessem opinião não existiria falsidade, malandragem, distorções. Uma pessoa de opinião é uma pessoa que destaca-se. Sempre ouvimos a frase "fulano é de opinião", e ela sempre vem acompanhada de um ar de admiração. Quem mudou o mundo em todos esses séculos foram pessoas de opinião. Você não soube de um caso de Einstein falar "aaa, estou em cima do muro, não sei se a teoria da relatividade é verdade, não sei se não é...." Nem de Marx pensar "o capitalismo é bom ou é ruim?...não sei, estou tão confuso..."
Vergonha serve para tudo. Quem tem vergonha não sai por aí enganando as pessoas, escondendo o ouro, falando mentiras e com falsas modéstias. Quem tem vergonha admite até que mudou de opinião...e continua sendo uma pessoa de opinião.
Seu Lourenço é que está certo. Ele, sim, tem opinião e vergonha. Teve coragem de me dizer que ele era mais do demônio que de deus. Que gostava mais das coisas do mundo, de fumar seu charuto, beber suas cachaças e fazer sexo sem compromisso com as mulheres. - Nunca amei uma mulher de verdade. Nada...bobeira...mulher serve para uma coisa só (e sorria um sorriso safado de canto de boca).
E completou:
- Eu acho que eu vou queimar na fogueira do inferno e digo mais, você também. Tudo bem que você tá muito magrinha, nem dá um churrasco daqueles....gordo...Á, eu também não vou dar. Sou pele e osso, mas pelo menos como uma brasinha a gente vai servir...
Ê Seu Lourenço. Homem de opinião e vergonha....
Eu, um tanto incrédula, um pouco mística, e sem muito tempo para pensar, logo escolhi: - a 13, por favor.
Mal sabia que ao meu lado encontraria uma jóia rara. Desses presentes que o universo nos dá hora ou outra, sem pedirmos, nem pesquisar.
Plataforma G. Peço licença e sento-me ao lado de um senhor que aparentava mais de setenta anos. Muito magro, óculos bem antigos, um chapeuzinho de abas diferentes. Segurava uma bolsa como se ali estivesse tudo o que conquistou em todas suas dezenas de anos. Era o seu Lourenço. Figura que causou-me extrema simpatia.
Percebia-se, logo de cara, que tratava-se de um homem que fora bonito em sua juventude, mas um tanto sofrido nos tempos de agora.
Seu Lourenço não obsteve-se. Logo puxou conversa e eu, que adoro uma prosa com os mais velhos, não recusei seu convite.
- Não, não sou daqui. Sou de Ipatinga. Vim para Belo Horizonte estudar, conhecer um pouco mais do mundo e descobrir algumas coisas que penso, ainda não sei.
Seu Lourenço já disparou toda sua história, o porquê de estar em Belo Horizonte e que estava doido para chegar em casa, quatorze quilômetro depois de Caratinga - última parada do ônibus no qual havíamos embarcado.
- Eu vou de Caratinga a Santa Luzia à pé. Vou bem rapidinho, subo e desço os barrancos num pulo cantarolando as canções que sei cantar.
Descobri que ele ganhara de seu padrinho uma viola aos quatorze anos. - Como aprendeu a tocar, Seu Lourenço?
- Ué, minha filha, aprendi a tocar como tudo que se aprende na vida. Tocando.
Resposta dada. Resposta entendida.
Meu companheiro de poltrona olha para fora. Observa o congestionamento e vira-se para mim: - você tem religião?
- Não, não gosto muito dessa história de religião.
- Então, você é atéia?
- É, pode ser...
- Pois esperta é você. O homem inventou essa história de religião para ganhar dinheiro. Arrancar dinheiro dos bobos que não acreditam em si. Esse negócio de dízimo, dar dez por cento do salário para a igreja, ficar sem comer uma carne bem gorda porque tem que dar o dinheiro para o pastor é conversa fiada. O pastor come carne bem gorda.
- Também acho, Seu Lourenço (que já falava exaltado, com uma certa mágoa e muita indignação).
Fiquei calada, não queria render o papo. Papo de religião não é meu forte. Mas, volta Seu Lourenço: - você acha que deus é puro amor como o povo diz aí? Não é não. O homem inventou essa história de que deus é puro amor para justificar o bem e o mau. A Terra é do demônio. Se tem alguma coisa que é de deus é o céu. Lá é de deus. Aqui é tudo do demônio.
Eu, segurando para não rir (não porque suas palavras não eram sábias, mas pela sinceridade desinteressada daquele senhor), perguntei: - alguém disse isso para o senhor, ou você tirou isso da sua própria cabeça?
- Ninguém falou nada comigo não, minha filha. Eu vejo tudo, meus óculos tão velhos, mas eu vejo tudo...
Eu é que não duvido....
Seu Lourenço voltou a olhar pela janela. Agora era só vegetação. Aquelas árvores que correm quando estamos viajando, mas por pouco tempo. Logo voltou-se: - sabe qual é a única coisa que todo homem deveria ter?
Claro que eu não sabia. Eu, vinte e alguns anos, umas poucas teorias na cabeça e algumas idéias que não sei se boas ou ruins.
- Opinião e Vergonha!
Para mim, foi um disparo. Sim, claro, se todos tivessem opinião não existiria falsidade, malandragem, distorções. Uma pessoa de opinião é uma pessoa que destaca-se. Sempre ouvimos a frase "fulano é de opinião", e ela sempre vem acompanhada de um ar de admiração. Quem mudou o mundo em todos esses séculos foram pessoas de opinião. Você não soube de um caso de Einstein falar "aaa, estou em cima do muro, não sei se a teoria da relatividade é verdade, não sei se não é...." Nem de Marx pensar "o capitalismo é bom ou é ruim?...não sei, estou tão confuso..."
Vergonha serve para tudo. Quem tem vergonha não sai por aí enganando as pessoas, escondendo o ouro, falando mentiras e com falsas modéstias. Quem tem vergonha admite até que mudou de opinião...e continua sendo uma pessoa de opinião.
Seu Lourenço é que está certo. Ele, sim, tem opinião e vergonha. Teve coragem de me dizer que ele era mais do demônio que de deus. Que gostava mais das coisas do mundo, de fumar seu charuto, beber suas cachaças e fazer sexo sem compromisso com as mulheres. - Nunca amei uma mulher de verdade. Nada...bobeira...mulher serve para uma coisa só (e sorria um sorriso safado de canto de boca).
E completou:
- Eu acho que eu vou queimar na fogueira do inferno e digo mais, você também. Tudo bem que você tá muito magrinha, nem dá um churrasco daqueles....gordo...Á, eu também não vou dar. Sou pele e osso, mas pelo menos como uma brasinha a gente vai servir...
Ê Seu Lourenço. Homem de opinião e vergonha....
Assinar:
Postagens (Atom)